sábado, março 11, 2006

SAUDADES DA TITIA

Caramba! Cinqüenta e poucos anos e um vocabulário sofisticado. Diria até científico. As preocupações agora são outras. E freqüentes: medir a taxa de glicose, o colesterol, o triglicerídio, uréia, creatinina, ácido úrico, fosfatase alcalina, transaminase oxalacética, transaminase perúvica, bilirrubina. Exame de urina segundo jato e tantos et cetera que não caberiam em um discurso. Nunca sei se os médicos estão realmente preocupados com a minha saúde ou querendo aproveitar as facilidades do meu Plano de Saúde. Mas o que importa? O essencial é que a cada visita médica bate a saudade de outrora. Na verdade outrora nem sei se já havia a profissão de médico. Uma tia minha, sempre alegre e perfumada, era quem se preocupava com a saúde da família. Vez ou outra passava lá em casa. Olhava os nossos ouvidos, o nariz e a garganta. Minha e de meus irmãos. Deitava-nos enfileirados, batia em nossas barrigas, bolinava-nos sem pudor, virava-nos, ouvia nossos pulmões com um instrumento cônico e depois ia conversar baixinho com os nossos pais. No outro dia estavam lá os lambedores, as pílulas amargas e adocicadas, as emulsões e os fortificantes. Provavelmente inócuos, mas que justificavam a visita. E na minha família, não sei se por falta de aproximação com os médicos, todos têm vida longa. Por isto estou sempre questionando a validade de tantas descobertas. Meu avô paterno morreu aos 86 anos porque caiu de uma escada mal colocada na parede. Ele queria subir ao teto da garagem para tirar goteiras. Meu pai completou 80 recentemente e tomou um susto quando descobriu que tem uma leve arritmia cardíaca. Diz que vai morrer disto. Mas o médico explicou que de arritmia não se morre. O que mata é a parada cardíaca. Seria capaz de desfilar nomes incontáveis de tios e tias longevos. E eu, com apenas cinqüenta... digo, pouco mais de cinqüenta, vai... na flor da idade, sendo obrigado a fazer exames incontáveis de seis em seis meses. Acho que perdi a linha de tradição da família, fui contaminado pelas lorotas do marketing da cidade e, o que é pior, nunca acredito que estou bem. A cada resultado negativo de exame eu saio com a leve sensação de que a máquina errou. Sinto falta das bolinagens de minha atenciosa e perfumada tia.

Um comentário:

  1. Anônimo11:31 PM

    Olha só o meu amigo Marcus aí, saindo do casulo...
    Pois bem, eis-me aqui fazendo o caminho inverso. Um dia da caça, outro do caçador. E agora eu meu pergunto: quem é a caça? quem é o caçador? Bem, deixa pra lá! Melhor não responder.
    Sobre o texto, sabe o que eu acho? que você se considera mais velho e mais doente do q realmente parece. Talvez tenha se deixado mesmo contaminar pelo marketing da cidade ou na verdade tenha sido mimado demais pela tia atenciosa e perfumada.
    Bem-vindo ao mundo dos blogueiros!!

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