quarta-feira, agosto 23, 2006

UM DESABAFO PARA AMIGOS

Há bons amigos e amigos. Recebi hoje um estimulante e-mail da amiga Mercedes Nogueira, companheira e camarada da época de desbunde, da juventude talhada na luta para salvar o Brasil. É verdade que ninguém sabia que salvação era esta, mas todos tinham consciência de que sem democracia não se podia viver. Mercedes diz que estou amargo, tendo opiniões contraditórias, falando o que provavelmente não faço. Diz que estou parecendo o Diogo Mainardi, que escreve apenas para causar polêmica. Não é a primeira vez que me comparam a Mainardi. Isto me incomoda, sim! Gosto muito da coluna do Mainardi na Veja. Leio-a vez ou outra quando a revista traz um assunto bom e eu a compro. Invejo o seu jeito de escrever fácil. Mas não o li o suficiente para ser contaminado. Sei com certeza que fui contaminado por José Carlos Oliveira, por Nelson Rodrigues e Paulo Francis, por Armando Nogueira e Carlos Lacerda. Sou do tempo em que os livros e os bons autores não tinham a concorrência da TV. Tampouco havia o interesse editorial pela auto-ajuda, a despeito de Deus Negro, de Neimar de Barros. Paulo Coelho não teria chance. Talvez por isto seja um fenômeno hoje, porque teve oportunidade de ler muito. Mídia para os jovens no final dos anos 60 e anos 70 era, além dos livros, a música, o cinema e os jornais, principalmente os recheados Cadernos de Cultura. Lia-se tanto mais quanto se vê TV hoje em dia. Eu particularmente colecionava o Caderno B do Jornal do Brasil, onde conheci José Carlos Oliveira, o meu cronista preferido. Aos 17 anos grande parte da minha geração já havia lido Ulisses de James Joyce; O Capital de Marx; Revolução na revolução de Regis Debray; Eros e Civilização de Herbert Marcuse e A Obra Aberta de Umberto Eco. Mas sabíamos também da existência de Lukacs, Gramsci, Herman Hesse e mais e mais, todos muito festejados no Brasil pelos editores e consumidos vorazmente pelos estudantes. Não sobrava tempo para as crises existenciais da adolescência. Os nossos Clubes de Jovens não se reuniam para rezar, participar de joguinhos e discutir a bondade de Deus, como hoje. Os encontros normalmente serviam para discutir os grandes pensadores. A moda eram os de esquerda. Fui presidente do Clube de Jovens do meu bairro e a primeira medida, aprovada em Assembléia Geral, foi assinar a Revista Civilização Brasileira. Através desta publicação, além de outros, tivemos acesso aos textos e ao pensamento dos brasileiros Nelson Werneck Sodré, Alceu Amoroso Lima, Leandro Konder, Paulo Francis, Ferreira Gullar, Carlos Nelson Coutinho e Fernando Henrique Cardoso. Sim, FHC o ex-presidente. A música também era pauta obrigatória das discussões. Ou melhor, a letra das músicas. Imagine-se a produção daquela época, na efervescência do Tropicalismo. Apenas para constar cito Gil, Caetano, Chico Buarque, Capinam, Torquato Neto, Geraldo Vandré... E depois desse arroubo, das boas lembranças, volto à amiga Mercedes e ao excelente Mainardi. O colunista da Veja provavelmente também caminhou nesta trilha, além de muito mais estrada que eu, com absoluta certeza. Mercedes está casada e tem dois filhos. Um médico e um jornalista. É socióloga e aposentada como professora da Universidade Federal do Ceará. Ela sabe que escrever e pensar são coisas diferentes, embora uma dependa da outra. Ser contraditório é uma necessidade.. Não tenho medo de ser contraditório, de cair em contradição. O que me apavora é a possibilidade de deixar de pensar. Perder a vontade de mudar de idéia. No mais, tudo não passa de um constante exercício de argumentação.

9 comentários:

  1. Anônimo5:00 PM

    Marcus, com a declaração "o que me apavora é a possibilidade de... perder a vontade de mudar de idéia" vc me encheu de esperanças. É verdade q sempre lhe achei um intelectual, mas às vezes percebia em vc apenas um intelectualóide. Agora, demonstra que é tb um sábio.

    Com o seu texto fiquei com saudade dessa época em que não vivi. Só tenho uma contestação: quando se refere aos encontros da juventude de hoje para discutir sobre a bondade de Deus. Estas discussões são sublimes. Uma grande ponte para elevação das nossas almas. É certo que estas são da ordem da sabedoria, da sensibilidade e da razão, e não apenas do intelecto. Mas hoje vivemos no mundo da conexão de saberes. A ciência, a arte, a filosofia, a arte e as tradições espirituais são expressões que explicam a complexidade da vida humana na contemporaneidade. É o que dizem os antrópologos.

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  2. Anônimo5:01 PM

    Depois de muito passar por aqui e ver que não tinha nada de novo, pensei que vc tivesse aposentado a caneta. Só agora vi que vc voltou a escrever no seu blog. Como estou atrasada, não vou comentar os textos anteriores, limito-me a dizer apenas que são bastante instrutivos.

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  3. Anônimo5:22 PM

    Muito agradecida pela homenagem camarada Cavalcante. Acho que foi a primeira em tantos anos de dedicação à nossa juventude. Tinha que vir de você. Continuamos aqui o velho e saudável hábito das reuniões para avaliar os pensadores. Portanto não estou aposentada. Grata mesmo pela crônica que me dedicou.

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  4. PARA FLÁVIA: Respeito muito a sua crença. A sua fé. Mas não acredito em religião por isto acho desnecessário discutí-la. Mas sou minoria. Minha opinião não deve valer. Mas saiba que a minha formação inclui também aulas de catecismo e leitura dos evangelhos. São textos primorosos da história.

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  5. Anônimo5:16 PM

    Meu nome é Mariana e faço jornalismo. Nas conversa com os colegas a gente vive falando dos antigos jornalista que acham ter descoberto a polvora, que dizem que a experiencia vale muito etc e tal... Agora no seu blog estamos vendo que a atual universidade é deficiente e não faz indicação de boas leituras. Daí acho que muita gente se forma sem saber de nada.

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  6. PARA MARIANA: Não existe antagonismo entre antigos e novos jornalistas. O mercado normalmente é que regula e escolhe os bons em todas as profissões. Por isto é aconselhável não esperar pela Universidade para ter acesso a bons textos, bons livros, boas fontes de informação. E isto é antigo. Hoje, então, está muito mais fácil. Uma boa gramática deve ser o livro número um. E nem precisa decorar todas as regras para entender os clássicos.

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  7. Anônimo3:19 AM

    Muito bem querido Marcus, sempre surpreendendo com sua sensibilidade,riqueza da sua vivência e formação diversa. São pista boa para entendermos as abordagens inusitadas e um olhar aguçado com âgulo e lentes especiais.

    Ver e enxergar, verbos similares, afins, correlatos, tão ligados e com fissuras e separações abissais, vão exemplificando a diferença entre escrever e pra quê escrever.

    É bom poder encontrar com seus textos e nada me apavora entre linhas, frases, reticências na eternidades sutil do gerúndio e o enigma das entrelinhas.

    Passa no blog e enriqueça-o com seus comentários: http://forumdearteculturadopiaui.blogspot.com/

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  8. Anônimo1:18 PM

    PARA TITO: Passo diariamente, após o trabalho, no forumdearteeculturadopiaui. Falta às vezes é argumento para deixar comentários. Sei que um alô é incentivo mas fique certo que não perco uma linha do seu blog. Ah e deixo de agradecer os elogios porque você é um grande amigo e portanto suspeitíssimo. Valeu.

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  9. Anônimo10:46 AM

    Também sou desse tempo Eram ourtras as preocupações. Aldeia Global,Gabriel Garcia Marques, Neo realismo italiano com De Sica, Fellini, aNouvelle Vague francesa de Godard, o Cinema Novo de Glauber Rocha, nelson Pereira dos Santos. Eram outros tempos. A acomodação é geral. Collor foi pra rua com os jovens que ainda receberam uma rebarba da juventude que fomos. Hoje,apesar da Internet, a alienação é muito grande. Vide nossa música popular. Cadêd os novos chicos buarques, os edus lobos, os caetanos. Sinal dos tempos o0nde ninguém lê mais nada. Acho que nem revista em quadrinhos. É uma pobreza geral, triste, incômoda, vazia. Como não ser amargo. É o país da gente, nossos filhos e netos que estão em jogo. Tomos que tentar sacolejar, revirar a pasmaceira insípeda, incolor. gostaria de dizer mais porém estou sendo chamado insisitentemente. faz tempo queria visitá-lo. Tenho por ti sentimentos de respeito e admiração, além da fraternidade. Abraços Octavio César

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